sábado, 3 de março de 2012

A culpa foi da ciclista

Ontem na Avenida Paulista, mais uma ciclista foi atropelada e morta por um motorista de ônibus. Fato que repetiu a tragédia de 2009, quando Márcia Prado também foi atropelada e morta por um motorista de ônibus a apenas alguns metros do local onde aconteceu essa nova fatalidade.


Apesar desse post não ter muito a ver com a Psicologia em si, mas resolvi falar como as pessoas estão cada vez mais mesquinhas e individualistas, e são essas pessoas que entram nos nossos consultórios com grandes crises existenciais, depois que percebem o que estão fazendo com o mundo.


"A culpa foi da ciclista que resolveu andar de bicicleta no meio da Paulista."A culpa foi da ciclista que deveria ter pedalado na calçada, quem é maluco pra se jogar na Paulista de bike, com aquele trânsito.""Tudo bem que o motorista errou, mas ela que é maluca de andar de bike na Paulista." Esses foram alguns dos comentários que ouvi de algumas pessoas e li na internet. Comentaram que me davam mais raiva, cada vez que escutava um desse tipo...


Depois fui ler as primeiras reportagens do G1 sobre o acidente, logo após o ocorrido. Não sei se foi falta do que escrever ou insensibilidade da Globo mesmo, mas o foco da reportagem era mais voltado para o situação do trânsito na Paulista do que para a morte de uma pessoa. Será que nos transformamos naquela música do Chico Buarque: 
"Construção"
...E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego...

Mas, que insensibilidade a minha... coitadas das pessoas que estavam em seus ar condicionados naquele trânsito horroroso, enquanto a filha de alguém morria.

Mas, talvez a ciclista tenha tido culpa sim... Ela teve culpa de ser uma pessoa consciente e de perceber que nesta cidade não há mais lugar para tantos carros e poluição, ela tem culpa de não querer demorar 3 horas dentro de um carro para chegar ao trabalho, ela tem culpa de querer exercer seu direito de ir e vir como achar mais conveniente, direito esse, que nós todos temos, mas parece que não sabemos o que é; ela tem culpa de querer viver sua vida do jeito que ela escolheu na cidade que ela escolheu, ela tem culpa por querer melhorar essa cidade tupiniquim com pessoas que para terem uma boa auto estima precisam de um carro e um celular, mas chegam em casa e não tem ninguém esperando por elas, a culpa foi dela por morar num país que acha que bicicleta e coisa de pobre e continua com a mesma mentalidade da era Medieval. 

Já o desrespeito dos motoristas, a falta de educação no trânsito, a maluquice dos motoristas do ônibus que se jogou em cima da ciclista... esse ninguém fala... tadinhos dos motoristas, queriam apenas chegar ao seu destino o mais rápido possível.

E a culpa do governo que faz vista grossa para a falta de estrutura nas cidades, que finge que em SP ainda cabem mais 1.000 por dia e não se preocupam em melhorar transportes públicos e ciclovias? Pelo contrário preferem gastar esse dinheiro com viagens para cidades européias, onde desde o mais pobre até o mais rico anda de bicicleta pelas ruas, sem a preocupação de que um ônibus irá jogar-se sobre ele e matá-lo. 

Mas, a culpa era da ciclista, Juliana Dias de 33 anos, por querer um mundo melhor e querer exercer os seus direitos. Afinal, no Brasil só não tem culpa os conformistas.